segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Rua Longa

Lawrence Ferlinghetti

A rua longa
que é a rua do mundo
passa em torno do mundo
cheia de todas as pessoas do mundo
pra não dizer todas as vozes
de todas as pessoas
que já existiram
Quem ama e quem chora
dorminhocos e virgens
vendedores de spaghetti e homens-sanduíche
oradores e leitores
desossados banqueiros
donas-de-casa criteriosas
cobertas de esnobices de náilon
desertos de publicitários
manadas de secundaristas fogosas
multidões de colegiais
falando pelos cotovelos do mundo
e andando por aí sem parar
se pendurando na primeira janela
para ver o que passa
no mundo lá fora
onde tudo acontece
mais cedo ou mais tarde
se de fato acontece mesmo
E a rua longa
que é a rua mais longa
de todo o mundo
mas não é tão longa
como parece
passa por
todas as cidades e todas as cenas
cada alameda abaixo
cada boulevard para cima
cruza cada cruzamento
com sinais vermelhos e sinais verdes
passa por cidades ao sol
continentes na chuva
Hong Kongs famintas
incultiváveis Tuscaloosas
Oaklands da alma
Dublins da imaginação
E a rua longa
rola na sua ronda
como um enorme trem que chia
ofegando em volta do mundo
com a bagunça dos passageiros
os bebês e as cestas de piquenique
os cachorros e os gatos
e todos se perguntando
quem é que está
na cabine da frente
guiando o trem
se é que lá tem mesmo alguém
o trem que corre ao redor do mundo
como um mundo que vai ficando redondo
todos ali se perguntando
que será que há
se há qualquer coisa
enquanto alguns se pendurando
espicham o olhar para a frente
tentando dar uma manjada
no maquinista na cabine
que só tem um olho
tentando ver o maquinista
divisar sua face
encontrar seu olho
quando eles passam numa curva
e jamais conseguem
embora de vez em quando pareça
que eles até já estão
para conseguir
E assim a rua vai rolando
vai o trem rebolando
estendendo nas janelas
suas lá dele as demais janelas de todos
os edifícios de
todas as ruas do mundo
deslizando também
na luz do mundo
na noite do mundo
com sinais nas travessias
fachos que estão perdidos mas focam
multidões em carnavais
circos na boca da noite
puteiros e parlamentos
fontes que o pensamento abandona
portas de porão e portas não achadas
figuras indecisas na lâmpada
ídolos que dançam pálidos
na ida continuada do mundo
Mas chegamos agora
à parte mais vazia da rua
à parte da rua
que passa em volta
da parte mais vazia do mundo
E não é aqui
que você vai
mudar de trem
Não é neste lugar
que você faz
alguma coisa
Esta é aquela parte do mundo
onde nada está fazendo
onde ninguém está fazendo
nada
onde em nenhum lugar há
alguém que não seja
apenas você
nem mesmo um espelho
que te faça em dois
nem uma alma
a não ser a sua
talvez
e mesmo assim
não aí
talvez
ou então não sua
talvez
porque você está como se diz
morto
você chegou à sua estação
Queira descer

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