segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quando eu me apeguei a você, meu coração

Mário Ivo

Quando eu me apeguei a você, meu coração, os dias eram turbilhão. Cinzas, ferrugem, nublagem.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, o amor restava dúvidas, como o pão deixa farelos sobre a mesa quando cortado.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, a Paixão contraía dívidas e medos. Medo de saber se o interesse era recíproco, se as atenções seriam retribuídas, se os signos foram corretamente desvendados, e se – acima de tudo – tudo aquilo que fantasiei não ruiria como num castelo de cartas frágil porque sem alicerce concreto algum.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, eu recusava limites. Eu achava o impossível, possível, o desencontro, encontro, e o fugaz, duradouro.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, eu vivia de esperas ativas. Como quem antecipa conquistas, como quem tem um exército pronto a superar as muralhas à beira-mar.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, eu estava disposto a tudo, até a colher estrelas com o laço estreito do meu abraço.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, eu desconhecia os limites entre a paixão e a vingança. Eu misturava alhos com bugalhos, trocava os pés pelas mãos, e daria tudo, tudo, por um pouco de sua boca.

Quando eu me apeguei a você, meu coração, a gente me dizia: “É só isso, então, apenas fantasia”, como se fosse muito pouco essa fantasia – esse arremedo de realidade – que construí sobre você, sobre nós, meu coração.

Quando eu me apeguei a você, eu não entendia que a vida nos oferece escolhas, que mesmo o amor desfeito tendo sido mera ilusão, simulacro, desdém, ele era real porque eu o senti assim, verdadeiro.

Então, meu coração, eu entendi que mesmo não amando mais aquele amor, eu nunca o renegaria, porque ele era meu e verdadeiro, mesmo sendo uma mera miragem do meu coração.

Hoje, meu coração, seria injusto dizer que substituí aquele amor por essa paixão, que você agora protagoniza, sem querer, sem saber o real tamanho do meu delírio – porque, não, meu coração, o passado nunca será substituído pelo presente, e as camadas que ora sobreponho são independentes umas das outras, embora, sim, não será à toa que ontem perdi novamente meu óculo, à distância de um ano, porque todo cego é de paixão etc. Etc.

Mas hoje, meu coração, eu não sei mais se lutarei por você com todas as forças e anseios, se te darei o presente que, num impulso duradouro, adquiri, como quem contrai febre tropical, ardor de chuva, água nos pulmões.

Porque hoje, meu coração, aprendi a controlar essa taquicardia que ecoa em meu peito, porque me recuso a manter esse objeto de desejo na sombra e na escuridade, e porque continuamos separados, mesmo que eu insista em nos juntar, nesses sonhos, nessas insônias, nesses vãos de fantasia, onde eu, invés de me contentar com um pedaço da sua boca, a tomo por inteiro.

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