quarta-feira, 24 de julho de 2013

Gigliola fala de si

Foto: Ednilto Neves - Gazeta do Oeste

O mais antigo travesti e famoso dono de casa noturna da região oeste salineira potiguar.

Por Por Kalidja Sibéria em 29/06/2013
www.gazetadooeste.com.br

Glamour, festas, dinheiro, muitos amores, curtições, fama e o auge do sucesso são algumas das lembranças mais bonitas na vida de Josué Florentino de Sousa, ou simplesmente Gigliola, um dos mais famosos travestis do Rio Grande do Norte e por que não dizer do Brasil. Quando despontou no final dos anos 60 com sua casa noturna no município de Areia Branca, Gigliola não imaginava o que o futuro guardava para sua vida.

A construção do Porto-Ilha, entre os anos de 1966 a 1974, seria para ele o auge de sua carreira e o que proporcionaria as mais diversas experiências pessoais e profissionais. Famoso não só por suas apresentações, Gigliola foi o responsável por levar para Areia Branca mulheres do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Fortaleza e Natal para atender sua clientela, que neste período era a grande maioria homens que estavam trabalhando na construção do Porto. Os clientes, de várias nacionalidades, pagavam os serviços em dólar com valores que podiam chegar até 300 dólares, dependendo da mulher escolhida. “A minha casa noturna sempre priorizou a qualidade. A nossa fama rodava todo o Brasil e eu não media esforços para buscar as mais belas mulheres onde quer que fosse. A nossa clientela era fiel e exigente e era meu dever trabalhar com qualidade, seja com mulheres ou com outros travestis”, relembra.

Ele lembra que além de muito bonitas, as mulheres eram muito bem produzidas, maquiadas e sofisticadas, assim como ele mesmo. “Olha, eu sempre gostei do que é bom, do luxo. A gente tem que se vestir bem, estar bem preparado para receber as pessoas e sou assim desde àquela época. Eu gostava muito de andar todo produzido, gostava de paetês, lantejoulas, de sapatos de salto alto, o que era muito difícil pelo número do meu pé e eu tinha que trazer de fora, mas não me importava. Eu não media esforços para estar sempre bonito, assim como as mulheres que trabalhavam na casa”, relembra.

Sobre o quanto ganhava, Gigliola lembra que na época da construção do Porto-Ilha foi o momento que mais ganhou dinheiro, mas foi também o que mais gastou. “Ah eu queria curtir, viajar, comprar roupas para me vestir bem. Posso dizer que fui muito feliz e realizada e não me arrependo. Ganhei muito dinheiro com os estrangeiros e usufrui o que pude. Eu trabalhava para isso e gastava mesmo”, diverte-se.

Ele conta que nem tudo eram flores e teve momentos difíceis em que enfrentou preconceitos e que chegou a ser preso várias vezes. “A gente passa por muita coisa na vida que gostaria de apagar da memória. O preconceito existe nas pessoas desde sempre e comigo não era diferente e eu despertava a inveja de muita gente. O que me ajudou e me ajuda até hoje é que antes de tudo eu me valorizo, me dou o respeito acima de tudo e isso é o começo para que as pessoas também nos respeite, apesar de tudo. Sofri com muitas coisas, mas também superei todas elas”, declara.

Ele relembra que sua casa de shows funcionava a todo vapor a partir das quartas-feiras com muita festa, bandas de música e shows de strip-tease em noites de muito luxo, plumas e paetês. 

FAMÍLIA

Vindo de uma família de seis filhos, ele conta que também enfrentou a rejeição dentro de casa. “Minha mãe sempre me apoiou, mas meu pai não. Ele não chegou a me colocar na rua, mas não aceitava que eu fosse homossexual e acabávamos brigando muito, então eu resolvi sair de casa aos 16 anos e aí comecei a trabalhar para me sustentar. Não me sinto nem nunca me senti prostituído e sempre quis ser independente então busquei a minha identidade e me orgulho disso”.

Além da alegria constante, Gigliola também é conhecido pela população por sua generosidade e sempre gostou de ajudar a quem o procura. Uma de suas ajudas proporcionou a adoção de uma criança. “Eu era bem jovem quando uma mulher que trabalhava na noite me entregou um bebê para criar. Como eu não tinha condições levei a menina para minha mãe, mas meu pai não queria aceitar. Só depois de muito tempo, quando eu já ia embora com a criança aí ele resolveu acolher o bebê. Criamos essa menina com todo amor e carinho e hoje ela é uma mulher bem casada, mãe de família, estudada e evangélica. Orgulho-me muito disso”, relata.

Atualmente, Gigliola, aos 63 anos, ainda mantém uma pequena casa noturna em Areia Branca. “Hoje prefiro trabalhar com mais tranquilidade e com poucas pessoas. É complicado lidar com muita gente e hoje eu prefiro a simplicidade”.

GAZETA DO OESTE: Em que momento você decidiu abrir a sua casa noturna? 

Gigliola: Sempre tive o objetivo de ser independente e como meu pai não aceitava que eu fosse homossexual, resolvi sair de casa e então comecei a minha carreira e logo abri a minha casa de shows.

GO: O que significou a construção do Porto-Ilha para sua vida? 
Gigliola: Significou o auge. O topo da minha carreira. Sou muito grato e feliz pela oportunidade que tive de trabalhar naquela época. Além da realização profissional foi ali que tive também a realização pessoal. Fui e sou muito feliz com as lembranças que guardo daquela época.

GO: E o dinheiro que ganhou? 
Gigliola: Ah foi muito, muito mesmo. Naquela época quem podia comprar um carro era rico e eu podia comprar, apesar de não ter comprado. Os meus sonhos foram realizados com esse dinheiro. Viajei o Brasil inteiro, conheci muitas pessoas. Vesti-me como quis, comprei sapatos da moda e que cabiam nos meus pés (risos). Hoje vivo na simplicidade, mas não menos feliz. Fiz tudo o que queria na minha vida. Agora quero tranquilidade. Também não quero me aposentar, não sei ficar parado sem fazer nada. Quero trabalhar enquanto puder e ser feliz e realizado até morrer.

GO: Como você lida com o preconceito? 
Gigliola: Olha, lido com um duplo preconceito. Um por ser homossexual e outro que é indiretamente com as mulheres que trabalham ou trabalharam comigo. O ser humano é muito cruel quando quer ser. O que eu sei é que tenho Deus no meu coração e seu que Ele ama todo mundo igual. Sabe o que eu sinto por essas pessoas que insistem em mostrar o preconceito contra mim? Sinto pena, só isso.

GO: Qual a sua opinião sobre a intenção do deputado Marcos Feliciano de criar a ‘cura gay’? 


Gigliola: O que eu acho é que ele quer ser só. Quer ser o único gay e é isso que ele é. Um gay abafado que não tem coragem de se assumir. Se a intenção dele é acabar com os gays, deve ser pra ficar com os homens só pra ele. Ele é um gay sofrido, coitado.

GO: Você se sente realizado? 
Gigliola: Completamente. Sou um ser humano normal. Me cuido e me respeito. Posso garantir que me cuido muito mais do que muitas mulheres por aí. O gay só é humilhado quando ele procura e quando permite que as outras pessoas o façam. Nunca gostei de baixaria. Gosto das coisas organizadas. Eu me respeito e assim conquisto o respeito de todos que estão à minha volta.

Fonte: Jornal Gazeta do Oeste

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