O TP replica mais uma crônica ilustre sobre o Beco da Lama, lavra do jornalista e escritor Carlos de Souza, nosso Carlão.
Ode ao Beco da Lama
Por Carlos de Souza
Um dia, há muito tempo, saí do Colégio Winston Churchill, ali no centro de Natal, e fui até o bar de Odete, no Beco da Lama para tomar uma cerveja. Quando cheguei ao bar tinha um senhor grisalho, charmoso, tomando sua birita em paz. Ele me chamou para sentar em sua mesa e começou uma prosa tão interessante que parecia que eu estava ali lendo um livro. Este senhor era Newton Navarro. Nunca mais esqueci esse encontro inusitado nem esqueci suas palavras sobre a mediocridade que infesta Natal, como o mofo nas frestas. Hoje este cavalheiro incrível é nome de uma ponte que liga Natal a Redinha. Ele teria gostado da homenagem, mas não ao que estão fazendo ao seu amado beco.
Outro dia, no Bar de Nazaré, nas adjacências do Beco da Lama, ali nas proximidades da Assembléia Legislativa, tive a honra de conversar com o poeta Miguel Cirilo, que falava da estupidez humana como poucos. O Beco da Lama é assim um desses lugares que guardam a marca dos grandes boêmios, dos homens que prezam, amam loucamente a cultura imaterial de sua cidade.
Por ali desfilam poetas e pseudopoetas, gênios e medíocres. Por ali transita o sangue puro de uma cidade que detesta seus artistas e adora os fúteis com dinheiro na conta bancária. No Beco da Lama convivi com gente como o poeta Bosco Lopes, magrinho, frágil como um lápis.
Ali conheci muita gente boa e muita gente ruim também, porque humanos são demasiadamente humanos. Qualquer político que tenha o mínimo conhecimento de sua cidade, saberia que o Beco da Lama é a Academia de Letras dos pobres, a Galeria de Artes dos oprimidos. O prefeito Carlos Eduardo sabia disso.
Qualquer um sabe também que boêmios, intelectuais de mesa de bar, artistas plásticos sem galeria, são também resistentes que nunca tiveram nem terão medo dos poderosos. As administrações públicas vão passar, mas o Beco da Lama permanecerá intacto ao tempo, mesmo que seja só na memória das pessoas que souberam e ainda sabem viver ali.
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